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Como aplicar o Compliance Comportamental nas organizações?

📝 Introdução


O Compliance é – e sempre foi – sobre mudar comportamentos.

Muitas empresas acreditam que, ao implementarem um programa de compliance robusto, seguindo checklists prescritos por entidades internacionais e certificadoras, já fizeram o suficiente. No entanto, essa abordagem frequentemente confunde instrumento com propósito e meio com fim, tratando compliance como sinônimo de integridade.


Por que o Compliance Tradicional não basta?

Cada vez mais, percebemos que isso não é suficiente. O Compliance Comportamental nasce da constatação de que essas práticas, por si só, não garantem mudanças reais. Programas de Compliance, mais do que ferramentas de defesa da empresa, dedicados à análise e mitigação de riscos e à obtenção de certificações e garantias (o compliance "contra as pessoas"), trata-se de uma ferramenta de defesa das pessoas e de apoio na mudança efetiva e sustentável de comportamentos. Um Compliance direcionado para os “Muitos” (com referência ao termo cunhado no livro de igual nome), isto é, para a grande maioria de pessoas, que se percebem como pessoas honestas, mas que cometem desvios éticos em razão de questões cognitivas e comportamentais.


De forma geral, o Compliance Comportamental foca-se na parte comportamental das medidas de compliance, isto é, na sua efetividade e impacto real no dia a dia das pessoas. De forma específica, consiste na incorporação no dia a dia do profissional de compliance de evidências científicas e da metodologia das ciências comportamentais com o objetivo de tornar os pilares tradicionais do compliance (ex.: tone at the top, treinamentos, canal de denúncias etc.) mais efetivos.


💡Ideias


1. A Importância da Ética Comportamental (Behavioral Ethics)

Ética Comportamental provavelmente seja um termo novo para grande parte das pessoas. É comum que conheçam a Economia Comportamental, mas nunca tenhamos ouvido falar de Ética Comportamental.


Se, por um lado, a Economia Comportamental lida com obstáculos que atrapalham a tomada de decisões do ponto de vista econômico, a Ética Comportamental lida com os obstáculos que atrapalham as pessoas na tomada de decisões éticas, o que geralmente é a opção desvantajosa em termos econômicos – geralmente, a pessoa deixa de se beneficiar economicamente de um desvio para agir eticamente.


Questão central da Ética Comportamental

Assim, a Ética Comportamental se pergunta:

"Como a grande maioria de pessoas “boas”, como eu ou você, consegue conciliar o que deveria ser inconciliável: cometer desvios éticos e ainda assim manter uma autoimagem positiva?


 

📖 Exemplos de Referências em Ética Comportamental:

  • "The Law of Good People",

  • "Blindspot: Hidden Biases of Good People",

  • "The (Honest) Truth About Dishonesty",

  • "The Behavioral Code: The Hidden Ways the Law Makes Us Better... or Worse".

Essas obras exploram os dilemas enfrentados pelas "pessoas boas" ao tentar agir de forma honesta em situações cotidianas.

  • O livro "Muitos" é outra referência importante nesse contexto.


 

2. Três conceitos importantes para entender o Compliance Comportamental:


  • Mecanismos de Racionalização: Justificativas que ajudam as pessoas a atenuar a percepção de suas ações não éticas sobre sua autoimagem positiva.

  • Pontos Cegos Éticos: Falhas de percepção que fazem com que indivíduos não enxerguem um dilema ético, seja por razões cognitivas, contextuais ou de normas sociais.

  • Motivação Intrínseca: É o tipo de motivação que as pessoas geralmente têm para agir de forma ética, isto é, são éticas porque acreditam ser o certo, e não por fatores externos.


De forma geral as pessoas podem cometer desvios éticos sem que isso prejudique sua autoimagem positiva em duas situações: (1) quando percebem o dilema ético e utilizam mecanismos de racionalização para justificar e atenuar sua ação, ou (2) quando não percebem o dilema ético razão de um ou mais pontos cegos éticos (no livro Muitos, alguns pontos cegos éticos e os principais mecanismos de racionalização são mencionados).

(elaboração própria para o artigo)

Além disso, as pessoas costumam agir de maneira ética por motivação intrínseca, isto é, porque consideram a ética como algo importante por si só - um fim em si mesmo. Porém, essa motivação intrínseca pode ser “contaminada” em um ambiente com forte presença de incentivos extrínsecos para que as pessoas ajam de forma ética, algo comum nas organizações, através de medidas de comando e controle, fiscalização, incentivos e ameaças.


Diante dos incentivos extrínsecos prevalentes nas organizações, os seres humanos têm sua motivação intrínseca, mais autônoma, para fazer o certo gradualmente, “substituída” por um tipo de motivação de caráter mais extrínseco e controlado - um tipo de motivação que diminui a performance e bem-estar, e torna o comportamento dependente da manutenção dos incentivos. Tratam-se dos efeitos Crowding out effect (Economia) e Undermining effect (Psicologia).


Neste contexto, as pessoas comuns podem entender a ética não mais como um dever, mas como um negócio, uma questão de prós e contras, e a buscar brechas e oportunidades para cometer desvios.


3. Então, como implementar o Compliance Comportamental nas organizações?


Aqui vão algumas ideias que podem inspirar experimentos dentro das organizações públicas e privadas:


  1. Identificação e Mitigação dos Mecanismos de Racionalização

    Em treinamentos, de forma aberta e sem julgamento, identificar em conjunto com os participantes quais as formas de racionalização mais comuns que poderão utilizar diante dos dilemas éticos que costumam enfrentar no seu dia a dia profissional.


  2. Prevenir e mitigar a ocorrência dos pontos cegos éticos

    Utilizar técnicas de desenviesamento (debiasing) em momentos-chave de tomada de decisão ética. Eis alguns exemplos: (i) período de reflexão (cooling-off periods), (ii) autodistanciamento (self-distancing) e (iii) considerar o oposto (consider the opposite).


  3. Preservar ou recuperar a motivação intrínseca que as pessoas têm para agir de forma ética nas organizações.

    Nutrir as necessidades psicológicas básicas das pessoas por (i) autonomia, (ii) competência e (iii) conexão (relatedness), em linha com a Teoria da Autodeterminação (Self-determination theory). Em outras palavras, se as regras de compliance forem percebidas (i) apenas como uma política abstrata e distante da organização, (ii) algo muito difícil ou complicado ou (iii) como algo que ninguém parece ligar ou levar muito a sério, as pessoas vão perder o interesse genuíno — e sua motivação intrínseca — para seguí-las.


 

Esse artigo contou com a valiosa colaboração de Gabriel Cabral, responsável por comunicação e treinamento de Integridade na OEC (Odebrecht Engenharia & Construção), professor da pós-graduação da LEC, palestrante e coautor do livro “Muitos - Como as Ciências Comportamentais podem tornar os programas de Compliance Anticorrupção mais efetivos”.

 


📖 Para saber mais:


  • MAURO, C.; CABRAL, G.; CAPANEMA, R.; RAMOS, T. Muitos: Como as Ciências Comportamentais podem tornar os programas de Compliance Anticorrupção mais efetivos? Brasil: Editora Brasileira, 2021.

  • FELDMAN, Y. The law of good people: Challenging states' ability to regulate human behavior. Cambridge University Press, 2018.

  • BANAJI, M.; GREENWALD, A. Blindspot: Hidden biases of good people. Delacorte Press, 2016.

  • ARIELY, D. The honest truth about dishonesty. New York: HarperCollins, 2012.

    VAN ROOIJ, Benjamin; FINE, Adam. The Behavioral Code: The Hidden Ways the Law Makes Us Better. or Worse. Beacon Press, 2021.

  • FREY, B. S.; OBERHOLZER-GEE, F. The cost of price incentives: An empirical analysis of motivation crowding-out. The American economic review, Pittsburgh, v. 87, n. 4, p. 746-755, 1997.

  • RYAN, Richard M.; DECI, Edward L. When rewards compete with nature: The undermining of intrinsic motivation and self-regulation. In: Intrinsic and extrinsic motivation. Academic Press, 2000. p. 13-54.

  • SOLL, J. B.; MILKMAN, K. L.; PAYNE, J. W. A User’s Guide to Debiasing. The Wiley Blackwell Handbook of Judgment and Decision Making, Washington, p. 924-951, 2015.

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