
Mapeamento de Sistemas Comportamentais
Como integrar as ciências comportamentais no mapeamento de sistemas com conexões entre distintos atores?
1. 🎓Introdução
Imagine que você está colaborando com uma instituição financeira no desenvolvimento de intervenções baseadas em ciências comportamentais para promover o bem-estar financeiro de seus clientes. Após identificar baixos níveis de investimento de longo prazo, a equipe do projeto decide lançar uma campanha que combina mensagens personalizadas, nudges para estimular contribuições automáticas e lembretes de metas financeiras.
Os primeiros resultados parecem promissores, mas rapidamente se estabilizam. O que aconteceu? Parte dos clientes cancela suas aportações, outros nem chegam a ativar a função automática de investimento, e muitos sequer compreendem o produto. Uma análise mais profunda revela barreiras anteriormente não mapeadas: incentivos internos favorecendo outros produtos, sobrecarga na equipe de atendimento telefônico, baixa capacitação dos assessores ao longo do tempo, desconfiança em relação à instituição e percepções culturais que associam todo tipo de “investimento” a risco extremo ou perda.
Esse cenário evidencia um erro frequente no desenho de estratégias de mudança: tentar transformar comportamentos individuais sem compreender o sistema em que eles estão inseridos. Mesmo as intervenções mais bem-intencionadas — e tecnicamente bem desenhadas — podem falhar se ignorarem as dinâmicas sistêmicas que moldam o comportamento humano.
É exatamente nesse ponto que entra o Mapeamento de Sistemas Comportamentais (MSC)
2. O valor do MSC: entender o sistema antes de intervir
O Mapeamento de Sistemas Comportamentais (MSC) é uma abordagem que une o pensamento sistêmico aos modelos de mudança comportamental. Seu objetivo é compreender como comportamentos se formam, se mantêm ou são contrabalanceados dentro de sistemas complexos. Ao contrário de abordagens focadas apenas em vieses ou heurísticas individuais, o MSC permite mapear a interação entre atores, normas sociais, incentivos, estruturas organizacionais e processos institucionais.
Aplicar o BSM ajuda a:
Identificar os principais atores envolvidos (clientes, assessores, instituições, órgãos reguladores).
Especificar os comportamentos-alvo (como poupar, investir, manter contribuições, buscar aconselhamento).
Analisar influências contextuais e psicológicas que condicionam tais comportamentos, utilizando frameworks como o modelo COM-B (Capacidade, Oportunidade e Motivação).
Representar relações causais e ciclos de retroalimentação que reforçam ou inibem determinados comportamentos.
3. Por que isso importa?
Chater e Loewenstein (2023) destacam que muitas intervenções comportamentais focaram no nível individual (i-frame) — por exemplo, alterando defaults ou destacando benefícios —, mas ignoraram os fatores estruturais (s-frame) que sustentam os comportamentos ao longo do tempo, como regras do sistema financeiro, metas comerciais e políticas internas. Pesquisas recentes também demonstram que intervenções que negligenciam tais fatores tendem a ser frágeis no mundo real. Isso é o que se chama de behavioral brittleness: soluções que funcionam em laboratório, mas falham diante da complexidade dos contextos reais.
O MSC ajuda a antecipar esses riscos e desenvolver intervenções mais robustas, sustentáveis e adaptáveis — integrando o pensamento comportamental ao desenho estrutural de políticas, serviços e produtos.
4. Mas afinal, o que é um sistema?
Um sistema é um conjunto de elementos interconectados, organizados de maneira coerente para atingir um propósito ou realizar uma função. Não se trata de uma simples coleção de partes, mas de uma estrutura dinâmica cujo comportamento se manifesta ao longo do tempo.
Segundo Meadows (2008), o que caracteriza um sistema não são suas partes isoladas, mas as relações entre essas partes e o propósito que elas viabilizam. Sistemas podem variar de uma célula a uma cidade, passando por empresas, instituições ou até mesmo ecossistemas globais.
5. Como aplicar
Aplicar o BSM não se resume a listar comportamentos ou barreiras. Trata-se de construir uma visão estruturada das dinâmicas do sistema e identificar pontos estratégicos para intervenção. Um elemento central desse processo é o uso de diagramas de loops de retroalimentação, que ajudam a representar visualmente como comportamentos se mantêm, se reforçam ou se autorregulam ao longo do tempo.
6. Etapas práticas do MSC
1) Definir o problema sistêmico
Qual comportamento se busca transformar? Em que contexto ocorre? Quem são os atores envolvidos?
2) Identificar comportamentos-chave e atores relevantes
O que fazem clientes, funcionários, reguladores e outros agentes no sistema atual?
3) Mapear influências comportamentais
Utilizar frameworks como o COM-B para identificar o que limita ou estimula os comportamentos de cada ator.
4) Construir diagramas de loops de retroalimentação
Representar como os comportamentos e suas influências se conectam, formando ciclos reforçadores ou de equilíbrio.
5) Identificar pontos de alavancagem ("leverage points")
Onde estão as oportunidades mais potentes para transformar o sistema? Quais intervenções podem romper ciclos viciosos ou fortalecer ciclos virtuosos?
6) Desenhar soluções e monitorar dinâmicas emergentes
Avaliar como as intervenções afetam o sistema como um todo ao longo do tempo. Isso inclui não apenas os efeitos diretos, mas também os efeitos indiretos e retroativos. Ferramentas como modelagem computacional (ex: modelos baseados em agentes, análise de redes sistêmicas) podem ser úteis nesse estágio.
🔍 Para se aprofundar
Diaz del Valle, E., Jang, C., & Wendel, S. (2024). Behavioral Systems: Combining Behavioral Science and Systems Analysis. Busara Research Agenda #8.
Chater, N. & Loewenstein, G. (2023). The i-frame and the s-frame: How focusing on individual-level solutions has led behavioral public policy astray. Behavioral and Brain Sciences.
Schmidt, R., & Stenger, K. (2021). Behavioral Brittleness: The Case for Strategic Behavioral Public Policy. Behavioral Public Policy.
Meadows, D. H. (2008). Thinking in Systems: A Primer.
Allison, A. L., Frost, R., & Murtagh, N. (2024). Promoting planting in front gardens: A systematic approach to intervention development. UCL Open Environment, 6(1), e3147
Davan Wetton, J., Santilli, M., Gitau, H., Muindi, K., Zimmermann, N., Michie, S., & Davies, M. (2025). Behavioural Systems Mapping of Solid Waste Management in Kisumu, Kenya, to Understand the Role of Behaviour in a Health and Sustainability Problem. Behavioral Sciences, 15(2), 133.
Hale, J., Jofeh, C., & Chadwick, P. (2022). Decarbonising existing homes in wales: A participatory behavioural systems mapping approach. UCL Open: Environment, 4.